“A lei é igual para todos. Também a chuva molha todos, mas quem tem guarda-chuva abriga-se.” (Francesco Carnelutti)

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Comento aqui as questões de Direito Penal da prova de analista processual do MPU

126 – Diógenes desferiu, com animus necandi, golpes de faca em Jacó e fugiu do local dos fatos. Jacó foi socorrido pelo Corpo de Bombeiros e levado ao hospital, onde foi constatado que as lesões sofridas não eram graves, tendo sido a vítima submetida a rápido procedimento médico e liberada em seguida. Entretanto, Jacó faleceu dois dias após o atendimento médico. Feita a perícia, comprovou-se a morte por infecção generalizada decorrente de contaminação por bactéria encontrada nos instrumentos hospitalares. Nessa situação, como todos os fatos que antecederam o resultado foram indispensáveis à sua ocorrência, evidenciando-se a relação de causalidade entre as lesões sofridas e o resultado morte, de acordo com a teoria da equivalência dos antecedentes causais, adotada pelo Código Penal Brasileiro, Diógenes deve responder por homicídio consumado.

CERTO

O §1º do art. 13 do CP dispõe que: “ a superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produzir o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.”
Por causa superveniente relativamente independente podemos entender que é aquela ocorrida posteriormente à conduta do agente, e que com ela tenha ligação. É o caso da questão em análise. Jacó, após os golpes desferidos por Diógenes, foi socorrido e encaminhado para o hospital, lá adquiriu infecção generalizada que foi a causa de sua morte. A infecção encontra-se na mesma linha de desdobramento natural, ou seja, é um acontecimento natural, ou pelo menos provável, daqueles que sofrem determinadas lesões e são encaminhados a hospitais e, portanto, o resultado daí advindo deve ser imputado a quem deu origem à cadeia causal.
Para simplificar basta imaginar outra forma de causa morte, por exemplo, se no caminho do hospital a ambulância do corpo de bombeiros sofresse uma colisão e Jacó viesse a morrer preso nas ferragens, esta forma de morte não se inclui como desdobramento natural de quem é esfaqueado, então, se assim ocorresse, Diógenes responderia apenas pela tentativa.
A TEORIA DA EQUIVALÊNCIA DOS ANTECEDENTES CAUSAIS é de von Buri e foi adotada pelo nosso CP, ela considera causa a ação ou a omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido, ou seja, todos os fatos que antecedem o resultado se equivalem, desde que indispensáveis a sua ocorrência.

127 – Diogo, com a finalidade específica de cometer sonegação fiscal, falsificou documento público e o utilizou na declaração feita à autoridade fazendária, com o escopo de pagar tributo em valor menor do que o efetivamente devido. Nessa situação, de acordo com a legislação especial de regência, as infrações penais cometidas – falsificação, uso de documento falso e sonegação fiscal – serão punidas de forma autônoma e em concurso material.

ERRADO

O art. 1º da Lei 8.137/90 (Ordem tributária, econômica e relações de consumo) dispõe: “constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I – omitir informações ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias. (…) A falsificação de documento público é o crime meio para a consumação do crime fim que é a sonegação devendo ser por este absorvido. Aplicamos assim o princípio da consunção. O delito de falsificação exaure-se na consumação do delito de sonegação.

128 – Hélio, maior e capaz, solicitou a seu amigo Fernando, policial militar, que abordasse seus dois desafetos, Beto e Flávio, para constrangê-los. O referido policial encontrou os desafetos de Hélio na praça principal da pequena cidade em que moravam e, identificando-se como policial militar, embora não vestisse, na ocasião, farda da corporação, abordou-os, determinando que se encostassem na parede com mãos para o alto e, com o auxílio de Hélio, algemou-os enquanto procedia à busca pessoal. Nada tendo sido encontrado em poder de Beto e Flávio, ambos foram liberados. Nessa situação, Hélio praticou, em concurso de agente, com o policial militar Fernando, crime de abuso de autoridade, caracterizado por execução de medida privativa de liberdade individual.

CERTO

A lei 4.898/65 dispõe: “Art. 4º Constitui também abuso de autoridade: a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder.” A situação descrita na questão enquadra-se perfeitamente ao referido artigo, haja vista que o policial militar além de não observar as formalidades legais procedeu com abuso de autoridade. Quanto ao fato de não estar fardado não deve ser levado em consideração para configuração do crime, uma vez que o policial militar se utilizou de sua função para realizar o fato narrado.
Ainda há de ser levada em consideração na questão a responsabilidade de Hélio, que não sendo policial militar participou da infração. O art. 30/CP enuncia que “não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”, no caso aqui analisado a circunstância de caráter pessoal é “autoridade” (art. 5º, lei 4.898/65) é elementar do tipo, assim como funcionário público também o é nos crimes contra a Administração Pública. Por tudo exposto, deve o partícipe, Hélio, mesmo não sendo autoridade, responder pelo crime de abuso de autoridade.

129 – No sistema penal brasileiro, o arrependimento posterior, a desistência voluntária e o arrependimento eficaz são causas obrigatórias de diminuição de pena, previstas na parte geral do Código Penal, exigindo-se, para sua incidência, que o fato delituoso tenha sido cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa.

ERRADO

A desistência voluntária e o arrependimento eficaz são causas que conduzem à atipicidade do fato, uma vez que o legislador nos retirou a possibilidade de ampliarmos o tipo penal com a norma de extensão relativa à tentativa.
Ocorre a desistência voluntária quando o agente interrompe, voluntariamente, os atos de execução, impedindo, por ato seu, o consumação da infração penal, razão pela qual a desistência voluntária também é conhecida por tentativa abandonada. A finalidade desse instituto é fazer com que o agente jamis responda pela tentativa. Isso quer dizer que se houver desistência voluntária o agente não responderá pela tentativa em virtude de ter interrompido, voluntariamente, os atos de execução que o levariam a alcançar a consumação da infração penal por ele pretendida inicialmente. Ao agente é dado o benefício legal de, se houver desistência voluntária, somente responder pelos atos já praticados, isto é, será punido por ter cometido aquelas infrações penais que eram consideradas delito-meio, para a consumação do delito-fim.
Ocorre o arrependimento eficaz, quando o agente, depois de esgotar todos os meios de que dispunha para chegar à consumação da infração penal, arrepende-se e atua em sentido contrário, evitando a produção do resultado inicialmente por ele pretendido. Assim, se a vítima sair ilesa do ataque o agente não responde por absolutamente nada; se, entretanto sofrer alguma lesão, esta será atribuída ao agente.
Somente o arrependimento posterior é considerado uma causa geral de diminuição de pena, de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), conforme art. 16/CP. É importante lembrar que não será admitida a aplicação da redução de pena relativa ao arrependimento posterior aos crimes cometidos com a violência ou grave ameaça, não havendo essa restrição para o arrependimento eficaz.

130 – O crime de tortura praticado, em qualquer de suas modalidades, por agente público no exercício de suas funções absorve, necessariamente, o delito de abuso de autoridade.

ERRADO

O crime de tortura não necessariamente absorve o de abuso de autoridade, isso se deve ao fato de ambos os crimes serem configurados através de várias condutas tipificadas em suas respectivas leis, podendo haver o concurso em algumas das modalidades. Tomemos como exemplo: o inciso I do art. 4º da lei 4898/65 que diz constituir abuso de autoridade ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder, pois bem, imaginemos que um policial civil execute o mandado de prisão invadindo a residência do acusado, ou seja, com inobservância das formalidades legais, e uma vez o acusado estando no cárcere cautelar, o policial empregue violência que cause intenso sofrimento físico àquele como forma de pagar pelo seu crime, esta última conduta está tipificada na lei de tortura no art. 1º, inciso II (submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo), devendo este policial responder por ambas as condutas.
Este simples exemplo deixa claro que, diante do rol de modalidades tanto do abuso de autoridade quanto da tortura, é possível haver concurso material entre esses crimes.

131 – a remição penal consiste no resgate de dias de pena por meio de trabalho, sendo este entendido, na jurisprudência criminal, também como atividade intelectual (estudo). Os dias remidos são considerados pena afetivamente cumprida, para todos os cálculos na execução penal, inclusive para livramento condicional e indulto, vedando-se, entretanto, a concessão do referido beneficio legal aos sentenciados que cumpram pena em regime aberto.

CERTO

Súmula 341/STJ: A frequência a curso de ensino superior formal é causa de remição de parte do tempo da execução de pena sob regime fechado ou semiaberto.
De acordo com a citada súmula, a jurisprudência criminal considera atividade intelectual (estudo) como trabalho, uma vez que a lei refere-se apenas a este último.
O art. 126 da LEP dispõe: O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena. Dessa forma o benefício da remição não é concedido aos que cumprem pena em regime aberto por falta de previsão legal.
O art. 128 da LEP prescreve que:”o tempo remido será computado para a concessão do livramento condicional e indulto”. Completando a veracidade da questão quando afirma que os dias remidos são considerados pena efetivamente cumprida, para todos os cálculos na execução penal, inclusive para livramento condicional e indulto.

132 – Em relação ao crime de tráfico de Drogas, considera-se, tráfico privilegiado o praticado por agente primário, com bons antecedentes criminais, que não se dedica a atividades criminosas nem integra organização criminosa, sendo-lhe aplicada a redução de pena de um sexto a dois terlos, independentemente de o tráfico ser nacional ou internacional e da quantidade ou espécie da droga apreendida, ainda que a pena mínima fique aquém do mínimo legal.

CERTO

A lei 11.343/06 disciplina o tráfico privilegiado no seu art. 33, § 4º: Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
Fica claro que todos os requisitos aos quais a lei faz menção a questão igualmente se referiu. A dúvida poderia advir do final do enunciado quando afirma que este privilégio será aplicado independentemente de o tráfico ser nacional ou internacional e da quantidade ou espécie da droga apreendida, ainda que a pena mínima fique aquém do mínimo legal, nesse sentido a lei dispõe no art. 42- O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente.
Devo confessar que ao responder a questão não foram poucas as dúvidas que surgiram. Aplicar o privilégio independentemente da quantidade ou até mesmo de ser tráfico internacional? Então recorri à aplicação da pena no processo penal e conclui que deve ser considerada a causa de diminuição (tráfico privilegiado) independentemente de qualquer agravante, pois o art. 42 da lei de drogas aduz que a análise da natureza e a quantidade do produto terá preponderância sobre as circunstâncias judiciais previstas no art. 59/CP, ou seja, na fixação da pena base, assim, após fixada a pena base, observar-se se há circunstâncias agravantes e atenuantes onde a pena será aumentada ou diminuída, e por fim incidirá as chamadas causas de aumento e diminuição de pena, no caso da lei de drogas a causa de diminuição encontra-se no art. 33, §4º. De tudo exposto, concluo que está última constitui direito subjetivo do réu, ou seja, uma vez verificados todos os requisitos para a aplicação da causa de diminuição, o juiz deverá obrigatoriamente aplicá-la, ficando sua discricionariedade restrita ao quantum fracionário, que também deverá ser devidamente fundamentado.

133 – No que diz respeito à responsabilidade penal nos crimes contra o sistema financeiro, a legislação de regência prevê sistema próprio de responsabilização para os agentes controladores, administradores, diretores e gerentes de instituição financeira e, divergindo do sistema do Código Penal, impõe-lhes responsabilidade subjetiva.

ERRADO

Podemos afirmar que nosso sistema jurídico penal não acolheu a responsabilidade objetiva ou qualquer espécie de responsabilidade pelo resultado, haja vista que a Direito penal Brasileiro assenta-se no princípio da culpabilidade e este requer a subjetividade da responsabilidade penal.


134 – De acordo com entendimento jurisprudencial, não se aplica o princípio da insignificância aos crimes ambientais, ainda que a conduta do agente se revista da mínima ofensividade e inexista periculosidade social na ação, visto que, nesse caso, o bem jurídico tutelado pertence a toda coletividade, sendo, portanto, indisponível.

ERRADO

O STF, em julgamento da Ação Penal 439-1, proposta pelo Ministério Público Federal em face do famosíssimo e hoje não mais entre nós, Clodovil Hernanes, então deputado federal à época do julgamento, aplicou o princípio da insignificância argumentando da seguinte forma: A finalidade do direito penal é justamente conferir uma proteção reforçada aos valores fundamentais compartilhados culturalmente pela sociedade. Além dos valores clássicos como a vida, liberdade, integridade física, honra e imagem, o patrimônio, etc..., o direito penal, a partir de meados do século XX passou a cuidar também do meio ambiente, que ascendeu paulatinamente ao posto de valor supremo das sociedades contemporâneas, passando a compor o rol de direitos fundamentais ditos de terceira geração incorporados nos textos constitucionais dos estados democráticos de direito. Parece certo, por outro lado, que essa proteção por via do direito penal justifica-se apenas em face de danos efetivos ou potenciais ao valor fundamental do meio ambiental; ou seja, a conduta somente pode ser tida como criminosa quando degrade ou no mínimo traga algum risco de degradação do equilíbrio ecológico das espécies e dos ecossistemas. Fora dessas hipóteses, o fato não deixa de ser elevante para o direito. Porém, a responsabilização da conduta será obejto do direito administrativo ou do direito civil. O direito penal atua especialmente no âmbito da proteção do meio ambiente, como ultima ratio, tendo caráter subsidiário em relação à responsabilidade administrativa e civil de condutas ilegais. Esse é o sentido do direito penal mínimo, que se preocupa apenas com o fatos que representam graves e reais lesões a bens e valores fundamentais da comunidade. Segue a Ementa do referido julgado:

CRIME - INSIGNIFICÂNCIA - MEIO AMBIENTE. Surgindo a insignificância do ato em razão do bem protegido, impõe-se a absolvição do acusado.

O STJ corrobora com esse entendimento, conforme ementa de julgamento ocorrido em 25/05/2010:

HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. CRIME AMBIENTAL. ART. 34 DA LEI N. 9.605/98. AUSÊNCIA DE DANO AO MEIO AMBIENTE. CONDUTA DE MÍNIMA OFENSIVIDADE PARA O DIREITO PENAL. ATIPICIDADE MATERIAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. TRANCAMENTO. ORDEM CONCEDIDA.
1. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o princípio da insignificância tem como vetores a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
2. Hipótese em que, com os acusados do crime de pesca em local interditado pelo órgão competente, não foi apreendido qualquer espécie de pescado, não havendo notícia de dano provocado ao meio-ambiente, mostrando-se desproporcional a imposição de sanção
penal no caso, pois o resultado jurídico, ou seja, a lesão produzida, mostra-se absolutamente irrelevante.
3. Embora a conduta dos pacientes se amolde à tipicidade formal e subjetiva, ausente no caso a tipicidade material, que consiste na relevância penal da conduta e do resultado típicos em face da significância da lesão produzida no bem jurídico tutelado pelo Estado.
4. Ordem concedida para, aplicando-se o princípio da insignificância, trancar a Ação Penal n. 2009.72.00.002143-8, movida em desfavor dos pacientes perante a Vara Federal Ambiental de Florianópolis/SC .

135 – O indulto, incidente na execução penal, resulta na extinção da pena privativa de liberdade.

CERTO

A lei de execuções penais em seu art. 187 prescreve: concedida a anistia, o juiz, de ofício, a requerimento do interessado ou do MP, por proposta da autoridade administrativa ou do Conselho penitenciário, declarará extinta a punibilidade.
Poderia surgir dúvida quanto à expressão “pena provativa de liberdade”. Acredito que a organizadora, bem esperta que é, colocou essa expressão para indeferir todos os recursos que se justifiquem no fato de haver o chamado indulto parcial que, por sua vez não extingue a punibilidade, por isso mesmo a Cespe não colocou o ponto final da questão após de “pena”. O indulto total extingue a punibilidade e o indulto parcial comuta a pena, ou seja substitui por uma menos gravosa, assim qualquer substituição será menos gravosa que a provativa de liberdade, logo, a organizadora deixou implícito tratar-se a questão tanto do indulto total quanto parcial.

Nenhum comentário:

Postar um comentário