“A lei é igual para todos. Também a chuva molha todos, mas quem tem guarda-chuva abriga-se.” (Francesco Carnelutti)

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Para atingir a civilidade

Palavras do sábio mestre Francesco Carnelutti em sua riquíssima obra “As Misérias do Processo Penal” , que deveria ser leitura obrigatória no Curso de Direito. Sem sombra de dúvida, a lucidez que paira os trechos seguintes é confortante; pensar no outro, estudar o outro e principalmente se colocar no lugar do outro é uma tarefa difícil, não só no âmbito jurídico, mas é necessária para atingirmos a civilidade.

“Pode haver uma forma mais expressiva de incivilidade do que considerar uma pessoa uma coisa? Lamentavelmente, é isso o acontece nove, entre dez vezes, no Processo Penal. Na melhor das hipóteses, aqueles que as pessoas veem trancafiados nas jaulas dos tribunais, como animais de um jardim zoológico, são considerados como pessoas fictícias, não como seres humanos partícipes de uma triste realidade. Se alguém os considera humanos, os vê como seres de uma raça inferior, de um mundo estranho ao seu. Resumindo, as pessoas se sentem superiores em relação às outras, certamente não e lembram ou não conhecem a parábola do fariseu e do publicano. Nem sequer suspeitam de que sua mentalidade é mesma do fariseu que dizia: “não sou como aquele” (Lucas 18: 9 a 14).”

“Durante todo o tempo em que me relacionei com as pessoas chamadas homens de bem, não dei um passo sequer mais elevado, por me considerar uma delas. Conhecer os malfeitores foi o que me fez admitir, de fato, nunca ter sido melhor do que eles, e eles jamais terem sido piores do que eu; hoje, a experiência me leva a dizer que esta era a lição que eu, propriamente, como todo ser humano inclinado ao orgulho e à soberba, mais precisava aprender”.

“Infelizmente, por causa da nossa limitação, agravada ainda mais por uma curta visão, provocada pela ausência da luz do amor iluminado os nossos corações, não conseguimos detectar a presença do germe do mal, nos homens chamados de bons, nem a do germe do bem, nos chamados de maus. Basta tratarmos o deliquente como um ser humano e não como um animal, para descobrirmos nele o pavio fumegante ainda, de uma tênue chamazinha de amor, que a pena, em vez de extinguir, devia reanimar”.

“Os crucifixos que, graças a Deus, ainda se inclinam sobre as cabeças dos juízes nas sessões das Cortes Judiciárias estariam bem melhor à sua frente, porque assim teriam, diante de si, a imagem da vítima mais insigne da justiça humana a lhes pedir contas das próprias iniquidades. Somente a consciência das suas próprias injustiças pode ajufar um juiz a ser mais justo”.

“Quando, através da compaixão, cheguei a reconhecer nos piores dos encarcerados um homem como eu; quando se diluiu aquela fumaça que me fazia crer ser melhor do que ele; quando senti pesar nos meus ombros a responsabilidade do seu delito; quando, anos faz, em uma meditação em uma sexta-feira santa, diante da cruz, senti gritar dentro de mim: ‘Judas é teu irmão’, então compreendi que os homens não se podem dividir em bons e maus, em livres e encarcerados, porque há fora do cárcere prisioneiros mais prisioneiros do que os que estão dentro e há dentro do cárcere mais libertos da prisão dos que estão fora.

Encarcerados somos, mais ou menos, todos nós, entre os muros do nosso egoísmo; talvez, para se evadir, não há ajuda mais eficaz do que aquela que possam nos oferecer esses pobres que estão materialmente fechados entre os muros da penitenciária.”

FRANCESCO CARNELUTTI

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